ensinar a redigir na escola primária é muito difícil, porque a criança, embora conhecedora de inúmeras definições e nomenclaturas gramaticais que a torturam, é incapaz de escrever conscientemente e sem correcções uma página de português, por não saber aplicar os seus conhecimentos de gramática. a causa de certos insucessos na arte de redigir está, a meu ver, na falta de aliança entre a "teoria" e a "prática". ..."
do prof. josé m. gomes (c.1967 - tip.
silves - rua d. pedro v, 120 - lisboa
( o jornalista paulo rehouve esteve no tribunal da comarca (...) onde foi encontrar-se com a dona francelina, arguida num processo de violência de "literatura doméstica", cuja vítima fora a sua neta alzira)
paulo rehouve:
a dona francelina pode falar um pouco de si?
francelina pacheco:
é senhor, eu sou uma mulher de respeito!
paulo:
isso não está em causa. era só para enquadrarmos a questão. bem, a senhora lembra-se de na escola escrever os ditados?
francelina:
então se não!
paulo:
fazia muitos erros?
francelina:
no princípio sim, mas depois aquilo era uma beleza. mas eu não me quero lembrar desse tempo que até fico com pele de galinha.
paulo:
faça um pequeno esforço e fale-nos de como eram corrigidos os seus erros ortográficos.
francelina:
certo dia escrevi numa redacção: "o senhor diretor escolar", assim mesmo, "esteve na nossa sala de aula." tinha-me esquecido de colocar um c de cão antes do t. como era a segunda vez que errava na legal ortografia, a minha professora, a dona lurdes, deu-me 57 palmatoadas. fiquei com as mãos muito vermelhas e inchadas e só consegui pegar num lápis passada uma boa semana.
paulo:
a senhora não condena esse tipo de ensino em que se usa a violência para que as pessoas aprendam?
francelina:
não senhor! eu aprendi tudo muito bem e na ponta da língua. até sabia de cor e salteado tudo sobre os caminhos-de-ferro de angola e nunca tinha visto um combóio na minha vida.
(continua daqui a pouco e com comentários de varett)
varett:
a entrevista acaba por explicar o que realmente se passou entre a francelina e a neta. aquela resolveu ditar um pequeno texto do seu antigo livro escolar para averiguar do andamento nos estudos da alzira. esta tinha na escola como professora uma progressista que era = não a. quer isto dizer que não pactuava com a sagrada ortografia do senhor do ccb, o crânio graça moura tido como tradutor de línguas mortas e poeta editado pelos seus conhecidos que o reconhecem como de editável. a francelina verificando que a sua neta repetira o erro de escrever a palavra director sem a letra c voltou-se para ela e chamou-a atenção para o grave erro cometido. a neta defendeu-se e disse que a professora lhe tinha dito que agora já não havia c de modo nenhum e que o acordo é que mandava. francelina, pensando que a neta lhe estava a mentir deu-lhe uma sova mestra até a miúda confessar - cheia de dor e medo - que tinha inventado tudo. depois da sova, francelina amarrou-a na cama e dirigiu-se à escola para falar com a professora. por acaso a escola estava sem ninguém com excepção da professora. foi encontrá-la preparando-se para sair. a professora recebeu-a no refeitório onde tinha deixado a sua cesta do lanche. eis a conversa:
francelina:
eu venho pedir desculpas à senhora professora pelos erros da minha neta e pelas mentiras que ela disse acerca de si.
professora zulmira:
não estou a perceber. ela é uma aluna excelente!
francelina:
ela anda a dizer que a senhora disse que director se escreve sem o c de cão.
zulmira:
claro, é assim que eu a ensino. está certíssimo!
francelina:
a senhora deve estar a brincar comigo. director é com c de cão.
zulmira:
isso era dantes, agora com o acordo já não é.
francelina:
mas que raio de professora é a senhora. e quem é esse acordo com quem a senhora se dá?
zulmira:
não seja grosseira, senão vejo-me obrigada a pô-la na rua.
francelina:
para a rua vais tu, sua ignorante!
(francelina aproxima-se da professora e dá-lhe uma forte bofetada. a professora desequilibra-se e cai batendo com a cabeça na mesa de alumínio. até hoje, encontra-se de coma no hospital central. no entanto, ninguém dera conta que francelina tinha estado na escola. logo, pensou-se que a mestra teria sofrido um acidente. porém, como a neta ficou maltratada, apresentando muitas nódoas negras, a catequista participou à polícia de que suspeitava de maus tratos. a velha francelina ficou a contas com a justiça. o juíz condenou-a a quatro anos de pena suspensa e com a obrigatoriedade de ler duas vezes por semana o acordo ortográfico durante 18 meses. mais, o juíz encarregou a neta de verificar se a avó lia, de facto, o acordo.)
- sim senhor, ainda ontem, passei pela casa da francelina e, de facto, vi através da janela que a neta tinha uma régua na mão...
nota final:
o poeta e crânio das letras nacionais graça moura, director do centro cultural de belém (para quem não saiba é o lugar onde outro crânio sem letras, senhor joe berardo, mantém uma grande colecção de arte), proibiu qualquer intromissão do abusivo acordo nos recibos, facturas, convites, etc. na minha opinião ele tem toda a razão dele. eu explico. o primeiro grande chumbo que eu apanhei foi por causa de um filho de puta de um professor que falava um português mal amanhado de são miguel. atrapalhei-me e lá fui atrás da fonética mortífera daquele doutor do liceu. disse o suíno cobra em vez de cabra, sendo este o erbívoro referido no ditado.
eu também ainda tenho relutância em acordar com o acordo que ficou acordado por pessoas que estão preparadas para actualizar a língua. vou tentar, mas não vou obstar porque sei que de acordo em acordo a língua se vai plastificando racionalmente. percebo que para os jovens que começam a trabalhar com o novo acordo que isso não os afecta. e tudo bem. acordos são necessários. acho estranho é que pessoas ligadas desde o umbigo e à carteira aos negócios do estado sejam os mesmos a desrespeitar as regras por ele (estado) determinadas. o acordo é para ser respeitado. para isso servem as leis. não as aceitam? muito bem, aceita-se. agora, não podem é estar a prestar serviço em instituições do próprio estado. demitam-se e, por favor, vão fazer versos para o calhau onde ninguém os ouve (isto de inverno, pois de verão ainda apanham vítimas.)
ps: este texto não respeita acordos. acordar só na cama. as palavras são todas minúsculas. se os homens são todos iguais perante a lei, qual a razão de as letras não serem????? oxalá nunca encontre a francelina. ai meus deus!
varett
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