segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

RESPOSTA AO COMENTÁRIO DO FILÓSOFO LUÍS BASTOS, PROFESSOR NO LICEU ANTERO DE QUENTAL JÁ A SEGUIR.

 

Diário da Condessa Zewings encontrado por acaso no quarto do mordomo e que este posteriormente vendeu ao Barão das C.......  O Barão trocou-o por uma reportagem com uma jornalista de revista cor-de-rosa com o propósito de esta o promover socialmente.

"1 de Outubro  1975

Hoje fui jantar a casa da Marquesa, a Mavitó, como gosta que eu a trate. Depois de uma refeição tipicamente micaelense composta de morcela com ananás, queijo de cabra fresco  confecionado nas suas cozinhas acompanhados por um excelente Moêt & Chandon Dom Pérignon de 1961, galinha rosada com batatas alguns mariscos e mais uns petiscos que mal toquei saímos da grande sala de jantar belissimamente decorada e a gosto. Cores em pastel predominantes. Dei conta de três grandes espelhos com molduras douradas. O teto recheado com molduras de gesso ao estilo das antigas casas senhoriais francesas.  Pinturas, julgo ter visto um Toulouse-Lautrec bem lá no fundo da sala. Deixei passar o espanto não me fossem julgar uma tansa qualquer. Serve numa aflição pois há sempre mercado para estes monstros sagrados. Nos tempos de hoje nunca se sabe o que é nosso e o que é da plebe que este Estado protege no roubo da propriedade sagrada. Parece que estamos vivendo sob a orientação de um tal Proudhon que ensinou esta cambada a apropriar-se do alheio. Por onde anda a palavra de Cristo? "Ama o teu próximo como a ti mesmo." E o Papa sempre muito calado com medo que lhe vão às pratas. Enfim, depois fomos para a biblioteca. A Mavitó chamou a esta divisão assim, mas não tinha muitos livros. Manias. Aqui tomámos um belo café, mistura do de São Tomé com o de Angola. Naturalmente restos do antigo império. Apesar de ter comido pouco o jantar pesou-me no estômago. Coisas regionais: coisas da FLA a que ela aderiu. Segundo me disseram, pois da boca dela pouco tinha adiantado até ali. Depois do café, em vez de um bom Cognac, lá tive de bebericar uma horrível aguardente da terra. Coisas da Mavitó assumindo um açorianismo inusitado! Acabada de beber esta zurrapa, um sujeitinho com um linguajar esquisito começou a dedilhar a musiquinha regional, a Sapateia, numa viola da terra. Quando entrei em casa da Mavitó, ela apresentou-mo mas achei-o insignificante, e não lhe dei importância. Só muito depois é que soube que ele e ela tinham um caso aéreo, do tipo Romeu e Julieta com mofo. Estou a ser mazinha, é que depois de o ouvir declamar poesia em francês, troquei de ideias. Baudelaire foi o autor privilegiado a quem depois retratou numa ótima preleção.   Uma coisa veio interromper esta sessão de poesia musicada, o padre da paróquia que vinha conversar com a senhora Marquesa. Depois dos cumprimentos em Cristo da praxe, o Padre começou logo a seguir de ter emborcado dois cálices grandes de aguardente a expor ao que vinha. O comunismo tinha tomado conta de Portugal. Era preciso travá-lo quanto antes. O guitarrista e antigo televisivo estremeceu. Naturalmente lembrou-se dos jeitos que deu ao Estado Novo. Depois do senhor Padre ter descrito o que os malvados comunistas estavam a fazer no Continente de repente deu-lhe para falar na FLA. Que sim, que era uma organização que surgiu como milagre para defender os princípios da civilização cristã e que atuava secretamente como os antigos e perseguidos cristãos. Disse até que havia flás escondidos em catacumbas onde se preparavam para atuar em nome de Deus. A Mavitó entusiasmou-se a tal ponto que se prestou a transformar o  seu solar numa catacumba. Eu comecei a ficar preocupada. No meu casarão, não consinto que se escave. Mas estou com eles na defesa da Civilização Ocidental. O guitarrista começou a declamar os versos da sua obra intitulada Sapateia Açoriana. Versos de expulsão dos agora invasores de ideias. Mal acabou de a cantar ouviram-se  todos em uníssono e em grito: ei-lo o novo Presidente da República dos Açores Unidos. O ex-televisivo agradeceu mas depois tornou-se muito corado. As mãos tremiam. Até chorou quando a Mavitó lhe lembrou dos presos do 6 de Junho. Meu bem, disse ela para o seu Romeu-poeta mas não guerreiro, estarei sempre a teu lado, mas será conveniente a partir de agora que te escondas. Onde?, perguntou o atónico nomeado temporão Presidente. Para bem longe da paróquia, disse o pároco. Vai para a tua ilha, disse eu num repente de que me arrependi. O guitarrista-académico gemendo disse: quero ser enterrado em Coimbra que eu já vi tudo. Foi quando a Mavitó lhe fez lembrar o frio que lá fazia. "

Continua. 

  

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