PRESSPORTUGAL:
Como a devo tratar?
DONA MARGARIDA:
Trate-me de Condessa!
PRESSPORTUGAL:
Obrigado por nos conceder esta troca de impressões, senhora Condessa. Vou lançar a primeira questão. Depois da Revolução dos Cravos a senhora abandonou Portugal. Não se sentia segura?
CONDESSA:
Primeiro, aquilo não foi uma revolução de cravos. O que eu assisti foi a uma cambada de piolhosos, guedelhudos e barbudos que me entrou na propriedade de família e tudo alambazou ou destruiu. Até as minhas vaquinhas, Holstein-Frísia, que eram a menina dos olhos do Conde, Meu Pai, se foram devoradas por aquela chusma ignara. Depois, com os berros daqueles seres animalizados de morte ao fascismo e gritos de terra a quem a trabalha, eu não abandonei o país, eu fugi com a roupa que tinha no corpo e o que me valeu foram os diamantes e joias que levei comigo nas algibeiras do meu casaco de lã de foca que usava quando ia esquiar. A insegurança era o clima daqueles anos de setenta e quatro e setenta e cinco.
PRESSPORTUGAL:
E quanto ao senhor Conde, também fugiu?
CONDESSA:
Nos primeiros tempos do comunismo democrático não conseguiu fugir, mas mal soube da prisão de trezentos amigos e colaboradores seus escondeu-se durante muito tempo numa quinta que tínhamos no norte do país. Depois, aproveitando uma aberta, deu o salto para Espanha tendo depois aparecido no Brasil, onde morreu devido a um ataque cardíaco.
PRESSPORTUGAL:
Quando a senhora Condessa se apercebeu que estava a ser invadida por que razão não chamou a Guarda?
CONDESSA:
Então o senhor não sabe que o saque a que fui sujeita por aqueles energúmenos tinha como uma espécie de guarda-costas uns seres que estavam fardados de militares do tipo daquela ralé que se escusou a cumprir o dever sagrado de servir a pátria.
PRESSPORTUGAL:
Quando as coisas acalmaram, a senhora Condessa não foi ressarcida pelo Estado?
CONDESSA:
Muito pouco, nada que se comparasse com o verdadeiro e real valor do que nos foi surripiado.
PRESSPORTUGAL:
A senhora não acha que se tivesse havido uma maior justiça social da qual o Antigo Regime era devedor que não teria havido a revolução que acabou por trazer melhoria de vida às populações esquecidas e bastante carentes?
CONDESSA:
Sabe, os pobres deviam ter menos filhos. Uma prole imensa aumenta-lhes a pobreza. Que culpa temos nós que eles se comportem como os coelhos e depois não tenham cenouras para os manter vivos?
PRESSPORTUGAL:
Senhora Condessa, se me permite dizer, é que há uma política para que eles se reproduzam a fim de se poder manter o índice demográfico. Os grandes senhores sabem que quantos mais filhos os pobres conseguirem ter, melhor para eles, porque um excesso de oferta de mão-de-obra fá-los pagar muito menos. Pois como se sabe quando há escassez de mão-de-obra os patrões queixam-se por ter de pagar mais. Ficam furibundos quando têm de contribuir para uma melhor justiça social.
CONDESSA:
Alto aí! Não meta nisso a política. Nunca eu nem os meus incentivamos a plebe para se reproduzir como as ratazanas. A Igreja é que os têm industriado de tal modo que é pecado quando a copla não confere com os cânones bíblicos. Isso é gente desvairada e depois somos nós quem tem de pagar esses dislates amorosos incontidos.
PRESSPORTUGAL:
Se não fosse esse crescimento populacional a senhora Condessa não teria tantos empregados para todos o serviço. As chamadas criadas de dentro e de fora, jardineiros, rapaz de voltas, motorista, palafreneiro, etc.
CONDESSA:
Sim, são necessários! Mas e o que não custa educá-los! Só Deus sabe. Minha Avó paterna usava um chicote para as ter aperreadas e domesticadas. Velhos tempos que já não voltam. Agora, quando quero despedir alguém estou sujeita a pagar indemnizações e multas. Ao que isto chegou! Imagine que quando chega a hora de saírem se não saem a tempo eu tenho de lhes pagar as horas extraordinárias. Repito: ao que isto chegou! Ao que isto chegou!
PRESSPORTUGAL:
Passados estes anos todos, considera-se adaptada ao regime democrático vigente?
CONDESSA:
No outro tempo eu dedicava parte do meu tempo e em conjunto com amigas minhas a praticar o bem. Íamos a casa dos pobrezinhos e fornecíamos-lhes alguns bens alimentares, palavras de conforto e de esperança. Éramos pessoas arrojadas pois ingenuamente quando com elas contatávamos corríamos o risco de pegar alguma doença de que os pobres são useiros e vezeiros. Hoje em dia, já me deixei disso pois o Estado dá-lhes cama, mesa e subsídio sem lhes exigir nada de troca. Dizem para aí que metade dos portugueses que trabalha é que sustenta a outra metade, que não faz nada e que se regala com o dinheiro dos nossos impostos. Eu acho isso um verdadeiro horror.
PRESSPORTUGAL:
A senhora Condessa alguma vez trabalhou ou teve alguma ocupação em que fosse paga?
CONDESSA:
Ainda mais? Tenho de estar sempre em cima desta gente que me serve para que tudo corra impecavelmente. Não suporto desmazelos nem faltas de educação. Imagine que na última sexta-feira eu dei um jantar a um diplomata pessoa interessantíssima, que me tinha ajudado na fuga que já referi, e não é que o prato principal estava atrasado porque as idiotas estiveram de namoro na cozinha. Já viu o que são preocupações! O que salvou a situação foram os aperitivos e uma ótima conversa que versou sobre genealogia. Foi muito interessante chegarmos à conclusão que éramos ainda parentes. Olhe, bebemos um mítico branco Buçaco 2013. Bem, na verdade, foram duas garrafas. É que não se encontram primos destes todos os dias. Não acha interessante?
PRESSPORTUGAL:
Muito mesmo! A senhora Condessa por acaso não tem aí uma 2013 à mão de semear?
Esta conversa continua amanhã.
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