(nessa altura - II grande guerra - de grande caristia, fazíamos cinco refeições por dia. incluía o lanche, está claro.)
eu vivi no tempo do bondoso ditador antónio salazar. não vivi mal. dizer o contrário era mentir. a classe média que existia naquele tempo exibia estatuto e certo poder. a igreja de cristo e de roma apadrinhava a situação. aliás, qualquer situação no salazarismo levava sempre com uma benção que disfarçada estava sempre à mão da padralhada. por onde quer que o indígena se voltasse apanhava sempre nos cornos com uma fileira de legionários e pidescos que se não eram amigos íntimos eram família. se se distraía para o outro lado, lá estava a igreja através dos beatos inclusos em pequenas organizações de exames de consciência a foder-lhe a paciência. em algumas secções, era vê-los anestesiados e arrebanhados em camionetas nos fins de semana a cantar versos dos cursos de cristandade. toda a gente o que queria era agradar ao poder. quer este fosse político ou religioso. deus existia e estava em todo o lado. se uma pessoa questionava a tal existência, tornava-se suspeito. passava a ser considerado da oposição, logo comunista. tínhamos dois deuses: o pai que até tinha barbas e o filho. ah, havia santos que se foram tornando divinos, como foi o caso de dona maria mãe do cristo. também havia outro deus - já me ia esquecendo - o senhor espírito santo, que na minha terra oferece ao povo muitas sopas com carne. as famosas sopas do espírito santo. que diga-se em abono da santidade são saborosas. também, não podíamos questionar os santinhos. uma espécie de cortesãos que - segundo certa hierarquia - davam azo a que não se tarbalhasse nos dias em que eram comemorados. em certos dias do ano, políticos e chefes religiosos uniam-se para se mostrarem ao povo. uma vezes essa amostra tinha lugar em paradas militares e comemorações tradicionais estatizadas. noutras os políticos eram convidados a integrarem-se em procissões e outras cenas. nunca faltavam. pudera, não só eram vistos na importância - uma espécie de cagança - pública como algum halo de santidade a rodear-lhes os crânios. livros decentes que puxassem pela cabeça estavam proibidos. havia uma lista de livros que a igreja condenava e logo o estado novo (assim se chamava a doce ditadura) apadrinhava. no entanto, e em abono da verdade, havia milhares de livros fáceis de requisitar. todos eles tinham aquela marca de vidas de santos. outros descreviam vidas e obras de grandes vultos nacionais e dos seus feitos. num desses livros lia-se a conversa de dom afonso henriques com deus antes de ir matar mouros. lembro-me de numa aula de história, um sacanina de um colega meu perguntar com qual dos deuses dom afonso era mais íntimo. o filho de puta do professor percebeu a esperteza dele e como resultado nunca mais o deixou passar. havia professores que antes de irem dar aulas passavam, muito cedo, pelos altares para beijarem os santinhos e o senhor exposto. coisa que eu nunca percebi. também me fodi ao questionar esse mistério que para mim era contraditório. então o deus do estado novo não estava exposto todos os dias e todos os lugares ocupava ? sendo ele imaterial, como era possível que naquele lugar especial estivesse ali à disposição de qualquer um? de facto, próximo do senhor exposto havia uma caixa das esmolas. seria por isso? é que naquele tempo para se assegurar o emprego era bom que se vivesse muito colado a deus. era uma espécie de seguro de saúde que se estendia até à reforma. no funcionalismo público, está-se mesmo a ver. naquele tempo, um desgraçado que se casasse só pelo civil levava o estigma de esterco. ninguém de bom senso se queria relacionar com ele. havia centenas de proscritos. ninguém falava de política. era perigoso. só se podia falar bem de salazar. a ignorância sobre a coisa pública era um dado adquirido. havia pobres como ratazanas. alguns passavam fome. no entanto, para debelar a miséria de alguns, certos burgueses permitiam às esposas (era assim que eram tratadas as legítimas) que escolhessem uma pobrezinha para as ajudar a passar o tempo. as bondosas senhoras se não estavam entretidas nos serões de são vicente de paula a tratar de assuntos de alto valor social, estavam a visitar os seus pobrezinhos a quem lhes levavam açucar e outros bens alimentares. essas bondosas, apesar de não possuirem cultura, falavam horas e horas sem parar. os seus esposos também se reuniam com os amigos em separado. no entanto, sem falar de política, passavam muitas horas em prolongadas deambulações machistas. esquecia-me de dizer que se podia ler o joaquim paço de arcos. em contrapartida o nosso eça era rigorosamente proibido. um dia procurei requisitar "o crime do padre amaro" e foi um levante com acusações e possível participação ao reitor. uma pessoa nascia (estou a descrever sempre naquele tempo, pois neste tempo e neste país a coisa é muito diferente...) a família levava-o ao padre. ainda não dizia papai e já lhe tinham metido nos cornos o nosso senhor em bébé e a sua estimada mãe que nunca lhe dava de mamar. enfiavam-lhe na catequese a ouvir baboseiras do deus dos judeus e dos que com ele falavam diariamente. a minha boa catequista até chegou a dizer que o moisés das águas tinha visto deus pai (o filho ainda não tinha nascido - apesar de ser deus também) de costas. depois havia aquela do crisma com bispo e tudo. não esquecer as missas dominicais e nos dias dos santinhos. fora isso havia as confissões. ah, a santa madre igreja também inventou a sagrada família que ia de casa em casa para as rezas domésticas sem sacerdote. no casamento lá estava o representante do deus dos judeus ocidentalizado a declarar que aquilo que deus unia o homem não podia desunir. o que era impossível materialmente. os homens não vivem escanchados permanentemente nas vaginas das companheiras. nem o senhor berlusconi com todo aquele tesão latino. só se pode traduzir pelo não se poder fugir do conjuge. e para abreviar a caracterização do português da ditadura (senão nunca mais acaba) até para se morrer tinha de haver padre para controlar alguma má boca. a sociedade portuguesa vivia numa espécie de jardim zoológico. por estranho que pareça, através de algumas ranhuras do sistema, certo pensamento libertário foi tomando lugar nas universidades e locais onde se ajuntava uma certa classe de operariado. nesse grupo minoritário a tendência maioritária era o comunismo que estava em voga. os intelectuais burgueses, como mário soares, por exemplo, também embarcavam nas teoria da luta de classes. coitadinhos, não faziam a mínima ideia do que aquilo era. barriga cheia, dinheiro no bolso, ai que pena temos dos pobrezinhos. ora passa-me a charuteira que eu sempre que bebo conhaque inclino-me para o charuto. já o karl marx era assim. também fodia com a criada a quem não pagava os honorários. até lhe fez um filho macho a que chamou frederico nome do padrinho a quem chulava. refiro engels, como é evidente. os teóricos não passam de uns bons filhos do deus da irmã lúcia. ora - quem me manda a mim querer ser historiador esta redação está péssima - o que deu cabo do reino cristão do salazar e do cerejeira foi a guerra de áfrica onde explorávamos os pretos. não podia durar sempre! substituir esse regime, por um muito melhor, foi e é tarefa de uns tantos que infelizmente se transformaram nuns tansos incapazes. o salazarismo tirou-nos toda a capacidade de crescermos como povo soberano, por isso temos de começar tudo de novo. o pior é que por termos aderido à união europeia nos transformámos num povo colonizado. essa será a nossa próxima luta. a luta contra os que nos colonizam e os que - cá dentro - são os seus colaboracionistas. apesar de nos atolarmos dia após dia, ainda há quem queira continuar europeu. sair da zona do euro levarnos-ia a uma guerra civil e a uma perda de património. por outro lado a economia assentava no real e na fominha. resumindo por um lado a miséria do costume, por outro estamos fodidos. pior do que isto só ser enrabado pelo marquês de pombal, o mesmo que foi de propósito ao porto enforcar vinicultores que lhe desobedeciam. avé! avé! irmã lúcia, se quiseres ser santa do primeiro escalão vê se fazes um milagre. salvai portugal da fome e da guerra civil , desta esquerda e desta direita.
mmb
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